No dia 21 de julho o governo federal apresentou ao Congresso Nacional o projeto de lei que trata da criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). Trata-se de contribuição que unifica os atuais PIS e Cofins (PL 3.887/2020), fazendo com que 80% das empresas que estão sob o regime de lucro presumido optem pelo lucro real.
O tributo sobre o valor agregado tem alíquota de 12% e possibilita crédito pelo imposto já pago nos bens comprados. É possível deduzir todo o imposto a pagar, dependendo do tipo de negócio. Hoje o PIS e Cofins têm alíquotas diferentes em dois principais tipos de tributação: 3,65% para o regime de lucro presumido (sem possibilidade de acumular créditos) e 9,25% para o regime de lucro real (com possibilidade de acumular créditos).
Uma reforma tributária minimamente razoável há de ser tanto profunda na sua dimensão quanto simples e objetiva no que diz respeito às regras e obrigações a serem cumpridas pelos contribuintes, a fim de garantir a segurança jurídica aos setores econômicos e políticos e também assegurar a necessária equidade na distribuição da carga tributária, tributando-se de forma menos onerosa aquele que detém menor poder econômico e aumentando a carga proporcionalmente à demonstração de riqueza.
O que se espera da reforma é uma melhor distribuição da carga tributária e a migração da base tributável, tanto quanto possível, da produção para a renda, o patrimônio e o consumo, com transparência, simplicidade e progressividade.
Partindo-se desse pressuposto, não há como entender a proposta apresentada pelo governo federal como o início de uma reforma tributária. Trata-se de uma mera unificação de duas contribuições (PIS e Cofins) em uma contribuição nova, com um regramento que busca um pouco mais de clareza e transparência, além de tentar simplificar as obrigações legais.
Há pontos positivos que devem ser ressaltados, tais como a simplificação das normas e dos próprios documentos fiscais a serem emitidos, a extinção de vários regimes especiais e de tributação favorecida, a delimitação da base de cálculo para afastar a tributação sobre receitas não operacionais e a previsão expressa de que a nova contribuição não incidirá sobre ela mesma e sobre outros tributos, alterando a atual regra que determina a inclusão do próprio PIS e da Cofins, do ICMS e do ISS na base de cálculo da contribuição.
A proposta também corrige o equívoco da atual legislação no que diz respeito à vedação de apropriação de créditos de PIS e Cofins nas aquisições de produtos de empresas optantes pelo Simples Nacional. No regime da CBS há expressa previsão de tomada de créditos pelas empresas que adquirirem produtos de pessoas jurídicas que estejam no Simples Nacional.
No entanto, a proposta falha ao prever apenas uma alíquota fixa de 12% para todas as hipóteses e todos os ramos de atividade, com exceção das instituições financeiras, cuja alíquota prevista é de 5,9%.
O setor de prestação de serviços, que é o que mais gera empregos no país e o que possui menos possibilidades de apropriação de créditos pelo sistema não-cumulativo (onde o valor a ser pago resulta da diferença entre os débitos das vendas com os créditos das aquisições de produtos e serviços), certamente sofrerá uma substancial majoração da carga tributária. As empresas de prestação de serviços que não estejam enquadradas no Simples Nacional normalmente optam pelo regime do lucro presumido e recolhem o PIS e a Cofins no sistema cumulativo, pelas alíquotas de 0,65% e 3%, respectivamente, sem direito à tomada de créditos pelas aquisições que realizam. Com a proposta do governo federal, a CBS será exigida apenas pelo sistema não cumulativo à alíquota de 12%, o que trará um ônus significativo para o setor, que, conforme dito, não pratica com regularidade as operações que geram direito a crédito.
A alíquota de 12% é elevada para qualquer setor, mas para o setor de serviços, em especial, representa um ônus desproporcional, o que talvez exija do Congresso Nacional a redução da alíquota geral e também a adoção de uma alíquota ainda menor para o setor de serviços, embora a melhor técnica recomende a adoção de alíquota única, a fim de evitar distinção ou privilégio a qualquer setor e permitir que o contribuinte e os consumidores saibam exatamente o que está sendo cobrado.
Além desse impulso inicial, é necessário que se tenha o firme compromisso do governo de dar continuidade à reforma para que outras propostas sejam encaminhadas ao Congresso, em especial a proposta de integração do ICMS, do IPI e do ISS à contribuição que se pretende criar (CBS), pavimentando o caminho para a criação de um IVA (imposto sobre valor agregado), e também a proposta de desoneração da folha de salários para todos os setores.
Pelo cronograma do governo, a proposta de desoneração da folha será a quarta e última etapa da reforma tributária a ser apresentada ao Congresso Nacional. Contudo, em razão da relevância do tema e também por se tratar de uma necessária e indiscutível medida para o desenvolvimento econômico do país, visto que tem por objetivo anular a carga tributária que incide sobre a produção de bens e serviços, deveria ser uma das primeiras propostas a serem apresentadas pelo governo. Só assim o Planalto demonstraria estar tão preocupado com a desoneração da produção quanto está com a manutenção ou majoração da arrecadação.
A desoneração da folha neste momento teria um efeito duplo: demonstraria ao setor produtivo, inclusive aos investidores internacionais, que o país está tomando um novo rumo econômico e também viabilizaria o achatamento progressivo da taxa de empregos informais. Em suma, com uma só medida seria possível, em um primeiro momento, manter os empregos que estão ameaçados por essa atual crise econômica e, num segundo momento, contribuir para a geração de novos empregos formais no país, em razão dos investimentos que seriam atraídos para o setor produtivo.
Em suma, o pontapé inicial do governo foi dado. A despeito da timidez e de alguns pontos de falha da proposta, a medida foi suficiente para realçar a necessidade da reforma tributária e para mobilizar os atores políticos na busca por uma solução para esse tema tão sensível ao país. O governo e os parlamentares sabem o que deve ser feito e também sabem que, independentemente da proposta a ser aprovada (se a do governo ou uma das PECs que tramitam no Congresso — a PEC 45 ou a PEC 110), todos sairemos vencedores ao final, eis que o país não suportará por muito mais tempo esse sistema tributário irracional que temos.